15.5.08

Contos do universo paralelo

entanto, não passava de mera suposição.
   Era tão calmo e observador que não tardou muito para que começasse a prever o futuro. Previa tudo com espantosa exatidão. Começou logo na infância, acertando em cheio quantos peixes seu pai traria da pesca. Depois anunciou também a chegada do forasteiro que apresentaria ao povoado a lanterna. Assustada e de comportamento retrógrado, sua vizinha o acusou de bruxaria e buscava apoio da vizinhança para queima-lo na fogueira, mas ninguém deu ouvidos à velha.
   Aos que perguntavam a ele qual era a graça de viver sabendo tudo que aconteceria, Juvêncio respondia que tinha prazer em ver os rostos de espanto daqueles que lhe davam crédito, mas, principalmente, a expressão de pavor dos que lhe duvidavam. Tanto era verdade que semanas depois da concretização de sua maior profecia, quando ninguém mais ousava duvidar de Juvêncio, ele faleceu por não mais encontrar o pavor nos rostos que alimentavam seu calor pela vida.
   Era uma manhã tímida pela neblina, quando Juvêncio disse em tom sereno que a Terra já estava tonta de rodar em torno do seu próprio eixo imaginário e, além disso, cansada demais para girar em torno do sol, motivos pela qual resolveria ficar imóvel. O mar, cansado de ir e vir, seguiria o exemplo e somente dançaria conforme a musicalidade do vento. Descobriria-se daí o masoquismo das pedras, que reclamariam da falta de violência do mar, impedindo que elas chorassem areia. Ignorando tudo isso, a lua permaneceria dando seus passeios. Não por obediência, tampouco por desobediência, mas por pura diversão.
   Cerca de meio ano após, as risadas daquele dia foram substituídas por tamanho poder de incredulidade que todos que tinham conhecimento da profecia também ficaram imóveis por pelo menos três horas, tamanho foi o espanto e pavor. Juvêncio regozijou como nunca antes fizera na vida. Diferente de todos estava Catarina, que sempre acreditou no seu tio e ficou feliz ao ver que a Terra parou justamente na hora do pôr-do-sol.
   Após sua morte alguns vizinhos ainda lembravam da velha que queria pôr-lo na fogueira, e hoje davam razão, pois acreditavam não ter sido uma premonição, mas sim uma maldição de Juvêncio para o universo.
   Entretanto, a decisão da Terra que parecia permanente foi desfeita quando cansou de agüentar todo o peso das pessoas de um só lado, por terem migrado todas em busca do sol. A relação da Terra e Sol nunca mais foi a mesma. E agora era a lua que, de vez em quando, parava entre os dois e os eclipses eram constantes. Tudo para evitar confrontos. Já o mar permanecia em repouso, namorando com o vento, para lamento das pedras, pescadores e de todos aqueles que praticavam

4.5.08

A dor

tece que nessas horas fico extremamente angustiado, e nesse momento parece que o véu da ilusão desaba diante do meu ser e me vejo frágil, incapaz de ir contra as ondas que me impulsionam, e completamente só. Sinto meu comportamento destrutivo e enxergo apenas desgraça, egoísmo, medo e veneno nos meus atos, no meu dia a dia. Um complexo ser de passado, presente e futuro vagando em função de superficialidades, afundando minha saúde por pouca coisa. E é isso mestre. Nesse momento não vejo luz no fim do túnel, não vejo Buda, não vejo Deus. Vejo um cadáver putrefando-se, olho a janela e vejo um vasto universo que se estende por inimagináveis planetas e estrelas. E é apenas EU, e eu passo, eu me encaminho pra noite sem estrelas.

- É exatamente esse o ponto, meu caro aluno. Você se sente refém por que realmente acredita que tudo isso existe. Nesse exato momento você vê tudo como uma concretude, o mundo como ele realmente é, como se realmente algo fosse, como se aqueles instantes do mais insuportável desespero fossem a vida como tal, como é. Mas não esqueça que ela é essa dança, ela apenas é. A natureza apenas flui, não há realmente você. Você tem medo da não existência, mas no fundo não se da conta que é sendo você mesmo que você inexiste de fato. Deixe essa mente relaxar, esse corpo parar de penar, de reagir a tantos estímulos, a tanto EU, tanta demanda concentrada em você... tanta tensão. Você nunca vai compreender nada. Mas a compreensão existe no ser que somos quando deixamos de achar que somos alguma coisa de fato.

O jovem ocidental vomitou mais uma vez. Vomitaria milhares de vezes e o mestre seguiria ali, e muitas vidas se passariam até que ele realmente se purificasse. O mestre sabia disso e sorria. Sabia que naquele momento o praticante voltava a pisar na estrada do ensinamento profundo, e que essa dor desaguava para devolver-lhe paz.