28.3.08

Acorrentado pelo vento

e seu canivete. Eram, sem dúvida, os três objetos que ele mais dava importância na sua vida. O canivete em especial. Havia ganho ele no seu aniversário de 12 anos. Seu pai sempre achou que um homem deveria portar consigo um canivete. Nada mais adequado para Roberto, que entraria para os escoteiros não tardaria muito, a pedidos do pai. "Filho meu tem que aprender a se virar!" dizia seu pai. Roberto não achou a idéia muito atrativa na época, mas hoje Roberto lembra daquele tempo com grande saudosismo. Se hoje tivesse a oportunidade, agradeceria seu pai pessoalmente.
   O velho Francisco sempre fora um tanto rabugento, mas sempre tinha a melhor das intenções. Apesar de saber que disso o inferno estava cheio, persistia com suas impertinências. Realmente não o fazia por mal. Tudo o que fazia era tentando conceder ao filho o que seu pai havia deixado em branco. Esquecia que as pessoas tinham opiniões distintas, que os desejos do pequeno Roberto não eram os mesmo do pequeno Francisco. "O que as crianças sabem, afinal?" pensava hoje o velho. Diferente dos seus pensamentos da infância, quando pensava: "Que esses adultos pensam que sabem?".
  E apesar de tudo, Roberto nunca se queixava! Lamentava, fazia uma cara amarrada, mas nunca se opôs aos pedidos do pai. Era por medo. Seu pai até poderia perceber, mas se fazia de rogado. Esperava que o tempo ensinasse Roberto nessas ocasiões, o que, eventualmente, acontecia. Somente uma vez que Seu Chico, como era conhecido na vizinhança, voltou atrás em uma de suas imposições para com Roberto. Ao ver que o filho parecia   

21.3.08

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que não poderia avistá-la mais, os campos da propriedade vizinha eram visíveis quando resolveu parar e voltar para contar ao coronel Lucrécio seu retumbante fracasso.

-- Nhazinha foi embora – disse esbaforido e completou – de mala e tudo Coronel. Corri mas num pude evitar.

O coronel estava estupefato, colérico e ensandecido. Olegário olhava-lhe assustado, evitando os olhos, estava porém conformado com a morte certa que segue a vida dos peões incompetentes e, no seu caso, traidores. Era um homem nobre acima de tudo. Fê-lo por amor.

4.

Anita acordou assustada, segundos antes do sacristão agitar os sinos da igreja. Os olhos vermelhos do demônio ainda estavam incrustados na sua mente quando desceu para buscar lenha. Não era de ter premonições, mas quando elas vinham, podia acreditar que algo terrível estava por vir. Buscou o terço e rezou fervorosamente por proteção aos seus doze filhos, e orou pelo falecido marido, Inácio. No seu sonho pode ver que não haveria piedade e uma alma bondosa perderia a vida em sacrifício.

-- Sua benção minha mãe.

-- Bença, filho meu. Mimosa deu leite?

-- Não, só Preta.

-- Seu irmão está com problema João Carlos, ore por ele filho. Quando mimosa não da leite, é por que pressente coisa ruim com Olegário, ai meu deus do céu, protege meu filho pelo amor de menino Jesus – Caiu nos braços crédulos do filho do meio e desatou a chorar, não havia mais duvidas. Uma rajada de vento se deu, e longe dali Olegário viu o cano do revolver aproximar-se da sua testa. Orou. Morria por amor.

Dorotéia corria e derramava lagrimas de desespero, de negação, e de medo. Sabia que muitas desgraças sucederiam sua fuga, e corria cada vez mais depressa, o sitio do barão era

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20.3.08

Projeto aprovado

havia três horas; no entanto, ninguém parecia se importar com o paradeiro dela. Fabrício não agiria de forma diferente, sabia que isso era comum. Sendo assim, caminhou durante uns quinze minutos até chegar a altura do bar Astralopitecus, onde seus amigos costumavam se reunir nos fins de noite. Dessa vez ele foi o primeiro a chegar. Ele sabia disso logo que resolveu ir para o bar, mas mesmo assim tinha alguma esperança de já encontrar alguém lá. Precisava contar o que havia lhe acontecido naquele dia.
- Ei garçom, manda uma cerveja!

Bebeu compulsivamente enquanto esperava. Todas as cenas daquela noite se agitavam sua cabeça, estava a ponto de conversar com o garçom. Nem sabia o nome dele, apesar de ser cliente do bar havia quase três anos. Fábricio nunca foi de criar amizades facilmente. Quando terminou o segundo copo viu Angélica se aproximar. Fez um aceno e lhe escapou um singelo sorriso. Ela vinha trajada daquela sua calça marrom, já um tanto desbotada. Calçava os sapatos que pegara da mãe, e os vinha rastejando, fazendo um som que lembrava o amolar de uma faca.
- Oi Fabrício, chegou cedo hoje, ein?
Fabrício adorava a voz de Angélica. O levava para um mundo paralelo nos primeiros instantes. Às vezes ficava preso lá, e abstraia tudo o mais que não fosse sua voz.
- Pois é, eu tava meio sem ter o que fazer... queria conversar com alguém e passei aí.
- É, tu tá bem com cara de quem quer conversar.
- Isso foi ironia? - falou de imediato. Fabrício era de poucas palavras, então aquilo lhe soou como uma brincadeira sem graça.
- Não, to falando sério!
- Ah é que sei lá, tu sabe... costumo ser quieto.
- Sei? Não sei de nada! - disse revirando a bolsa atrás de alguma coisa.
- Bom, mas deixa pra lá. Lembra aquele projeto que te comentei?
Angélica havia tirado um pequeno espelho da bolsa e balançou a cabeça concordando.
- Pois é! Consegui... o pessoal da editora gostou.
- Sério? A página 53? Poxa, que legal Fabrício!
Seu rosto começava a ficar vermelho. Se sentia um estúpido sempre que isso acontecia, e isso não era raro. E não era exatamente sobre isso que queria conversar, mas também não queria ser tão direto. Então resolveu detalhar melhor aaa